sexta-feira, 16 de julho de 2010

do Ritual

Em quarenta e dois anos de vida, cortei sempre o cabelo no mesmo sítio.
É que não existe sequer uma vez para servir de excepção.
Há uma regra da vida em harmonia que incita a que se procure um médico, um alfaiate e um barbeiro mais ou menos da nossa idade pois existe a tendência de os mantermos ao longo da vida.
Só falhei no médico - não conheço (e não estou a exagerar) não conheço aquele que é o meu médico de família desde mil novecentos e noventa e seis. E antes deste tive uma médica que também conheci de raspão. Consulto especialistas quando o caso o exige mas mantenho com eles uma relação de pouco apego.
Na alfaiate cumpri a previsão. Embora muito mais velho que eu (já era o alfaiate do meu pai), mantive-me fiel enquanto ele trabalhou. Fiz o desmame para o pronto a vestir atempadamente - ainda mantenho as últimas calças que me fez - mas quando ele morreu já não havia entre nós qualquer vínculo laboral: apenas amizade.
A questão da barbearia reclama outro nível de acompanhamento. É um rito de passagem, o momento em que deixamos de ir ao barbeiro com o pai para irmos sozinhos.
Uma barbearia é um santuário. No meu caso, um santuário onde assumida e despudoradamente se proclamam as inquestionáveis qualidades do PSD e do Sporting (assim mesmo, embora nem sempre por essa ordem), onde se alterna ao longo do dia entre a Antena Um e a Radio Renascença, onde as revistas antigas são sempre a do Expresso e onde, sem que eu me tenha apercebido como, se passou do Comércio do Porto para o Correio da Manhã.
A qualidade do trabalho nunca foi óbice. Tão pouco a ligeireza do artista que faz em cinquenta minutos o que os outros fazem em vinte.
Exigência profissional? Nada disso, que há mais de quinze anos que o meu penteado se chama "Máquina 2".
As coisas mais deliciosas da vida são precisamente as inexplicáveis.
A barbearia está fechada por motivo de doença. Não muito prolongada, exige-se, que o cabelo, o pouco, se encaracola já à volta das orelhas e começa a pedir pente, artefacto que não me lembro de usar, vai para mais de uma vintena de anos.
Não sei que fazer. Sinto-me orfão!
Um sentido desejo de rápidas melhoras, é o mínimo que a situação reclama.






1 comentário:

  1. Percebo-te tão bem...
    Quando aos 12 anos a minha mãe me mandou cortar o cabelo sozinho não imaginava que me ia manter fiel até hoje. Fui pela primeira vez ao meu barbeiro e que não foi o mesmo que a minha mãe me levava,
    Mesmo hoje em dia que vivo no Cartaxo continuo a ir cortar o meu cabelo a Lisboa ao meu bairro.
    Mesmo quanto vivi quase 5 anos em Campo Maior, só por 2 ou 3 vezes não consegui lá ir. Mesmo assim ia pelo menos no intervalo de cada corte do outro "cabeleireiro" para acertar como eu gosto e sempre foi.
    Mesmo o meu filho nunca conheceu outro e hoje em dia de 3 em 3 meses lá vamos os dois em programa de machos.
    Acontece que quando eu comecei a lá ir eles eram jovens de 40 anos. Hoje em dia passados 33, já passaram a maioria (pelo menos 3 dos 4) a meta dos 70.
    Começa a ser preocupante. Eles não vão durar para sempre. Imaginas o que é sentar-te numa cadeira de um barbeiro novo e em vez de dizer – “É como de costume” – teres que estar a explicar como queres sabendo que eles nunca mais irão acertar……

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