terça-feira, 8 de junho de 2010

António Manuel Couto Viana


A primeira e última vez que comi lebre em toda a minha vida, comi-a com míscaros, pão ensopado num molho grosso e acastanhado e um belíssimo tinto das encostas da Serra da Estrela.
Foi há perto de vinte anos e tive como companheiro de mesa um homem alto, de porte aristocrático, trato afável e cavalheiresco e uma cultura acima da média.
Estava-se em Trancoso, em pleno Inverno, e apesar do sol que brilhava, estava frio com o camandro!
Não como coelho, lebre, gato ou qualquer outro anfíbio semelhante por uma questão de princípio, mas naquele dia senti-me compelido a esquecer por uns momentos os meus régios princípios. Estava intimidado por me sentar à mesa com um dos mais prestigiados poetas portugueses e um gastrónomo de mão cheia. Estavam por lá também José Quitério, David Lopes Ramos e outros nomes das letras gastrosofais, mas foi este homem de semblante aristocrático que mais fascinou - afinal tinha sido ele que tinha escrito as introduções de todas as províncias retratadas no maior tratado de cozinha editado em Portugal - Cozinha Tradicional Portuguesa de Maria de Lurdes Modesto.
É verdade.
O homem a cujo conselho acedi comer lebre, era António Manuel Couto Viana.
Morreu hoje e Portugal ficou sem qualquer dúvida muito mais pobre.

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