terça-feira, 22 de dezembro de 2009

mais Hot que o costume...


Pelos idos de noventa e noventa e um, habitei fugazmente e sem gratas memórias as zonas limítrofes da grande Lisboa. Gostei tanto que, mal pude, raspei-me de lá para fora.
Mesmo assim, do pouco que gostei, gostei mesmo.
E o pouco que gostei resumiu-se a três coisas:
Os fins de tarde de Cascais atracado a uma caneca de Guinness no John Bull, os concertos no coliseu dos Recreios de onde destaco Miles Davis e as noitadas no Hot Clube de Portugal.
O Hot Clube, embora a localização e o nome o possam deixar transparecer, não é um bar de alterne. É um clube de Jazz, uma cave na praça da Alegria, paredes-meias com o Parque Mayer, com a Avenida da Liberdade, com a esquadra da PSP e com a pensão Barcelona que, no início dos anos noventa, já oferecia aos seus hóspedes (e publicitava) coisas tão luxuosas como águas correntes.
Quando por lá me perdi, a zona já não era recomendável para incautos. O Parque Mayer estava em pleno declínio e o Maxim era frequentado pelo putedo que batia a avenida.
Ciente da valentia dos meus vinte e poucos anos, ia a pé desde o Cais do Sodré até ao Terreiro do Paço, e daí até aos Restauradores e por aí acima. Noite alta e sozinho...
Entrava no Hot Clube, descia as escadas, amesendava-me, pedia uma caneca de cerveja e ficava por ali horas esquecidas a ouvir jazz enevoado por uma densíssima nuvem de fumo que às vezes mal permitia ver o palco que se desenrolava logo à minha frente.
Nunca lá ouvi ninguém importante. Nunca lá tive nenhuma epifania jazzística. Não posso sequer dizer que tenha aprendido alguma coisa de jeito com a música que por lá ouvi.
Mas era uma experiência íntima de comunhão. Flirtava-se com a música, ali, fresca, sons de improviso, num ambiente de film noir de segunda categoria: cerveja em vez de champagne e alunos da escola de jazz em vez de pretos de smoking agarrados ao Steinway.
Vivi por lá momentos de pura emoção.
A noite passada, o prédio do Hot Clube ardeu parcialmente. A água dos bombeiros fez o resto.

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